Categoria: Memórias

  • Minha tia-avó

    Minha tia-avó

    A categoria tia-avó não é muito enaltecida. Sempre ficou esquecida entre uma tia descolada e uma avó que faz as nossas vontades.

    Mas eu tinha minha tia Maria. Tia-avó, irmã do vô Grillo.

    Tia Maria morou no Rio de Janeiro e tinha todos os trejeitos de madame carioca, o que me fascinava.

    Ela me presenteava com frequência com bolsinhas de crochê feitas por ela mesma. Cada uma em um modelo diferente e sempre com um brochinho pregado. O de coelhinho tenho guardado até hoje.

    Foi também a tia Maria que fazia o famoso mingau de chocolate quando íamos visitá-la. Um verdadeiro “comfort food” que resgatei nos primeiros dias de isolamento da pandemia.

    Lembro também de uma casa em que ela morou, já de volta à Minas. Um longo corredor na entrada, samambaias e piso de caquinho de azulejo.

    Tia Maria já foi embora faz tempo, mas entre as oscilações da minha mente, a memória dela voltou vívida no dia de hoje. Uma memória boa, com cheiro do mingau.

    *Tia Maria está à esquerda na foto.

  • O desenho da letra

    O desenho da letra

    Sempre gostei de escrever. Escrever a mão, sem crase.

    Gosto é de desenhar as palavras. Sempre cultivei o que eu achava uma letra bonita. E sempre reparei na letras dos outros. E reparo até hoje.

    Desde muito jovem, quando conhecia uma letra bonita, logo adicionava algo dessa letra na minha também.

    Ao trocar de ano na escola, gostava de mudar de letra, como quem cria uma nova coleção de moda na próxima estação. E eu definia isso.

    Certa vez, o menino que eu gostava me escreveu uma carta. E que letra linda! Logo a minha ficou parecida com a dele.

    Fui assim até ficar adulta.

    Agora sinto que minha letra só muda pela falta de uso ou pela pressa ao escrever.

    Mas confirmo aqui: minha volta aos cadernos agora é definitiva.

    Voltei a escrever a mão, sem crase.

  • ET phone, home

    ET phone, home

    Tive alguns traumas na vida que foram culpa do meu pai.

    Calma, já vou explicar melhor.

    Meu pai, cinéfilo, de uma família de cinéfilos, acabou por se tornar um senhor que gosta de cinemão.

    Mas eu gosto de cinema por causa dele. Gosto que foi reforçado pelo Ivan, meu companheiro de aventuras. Nosso primeiro encontro foi num cinema, mas outra hora eu conto.

    Em 1981, eu tinha apenas três aninhos. Meu pai teve a incrível ideia de me levar ao cinema para ver ET – O extraterrestre. Na época, foi sensação. Lançaram miniatura do ET, bonequinho que acendia o peito e o dedo, as bicicletas do filme. Eu só colecionei pavor!

    Até hoje morro de medo d’O ET. Veja bem, não é de qualquer ser vindo do espaço. É dele. Aquele nanico marrom que ficava branco ao adoecer. Que comia rastros de bala confetti. Que tinha dedo comprido. Que se escondia entre os bonecos de pelúcia. E era botânico.

    Desconheço ter revisto o filme, mas os detalhes estão vívidos em minha mente. Assim como a trilha sonora, que meu pai insistia em ouvir.

    Não me assusto com filme de terror. Aliás, não acho a menor graça. Enquanto Ivan fica com a mão suando frio, eu sempre estou indiferente ou achando problemas no roteiro. Mas é só me mostrar o ET ou contar histórias com disco voadores que já tremo nas bases.

    Anos depois desse episódio, ainda criança, meu pai me fez assistir a “Contatos imediatos de terceiro grau”. A música do filme virou jingle da TV Manchete, para piorar minha qualidade de vida.

    Eu cresci, aprendi a conviver com bonecos do ET na casa de amigos, com imagens dele ao virar a página de uma revista ou assistindo à tv. Mas sempre levando um sustinho.

    Conclusão? Nem sempre a culpa é da mãe.

  • Tio Nestor

    Tio Nestor

    O post da tia lembrou: faz 28 anos sem você.

    Vinte-e-oito. Pra mim foi ontem.

    A primeira coisa que lembro é da sua casa no alto da cidade, toda arrumadinha, com cristaleira antiga e cortina de crochê. Como você era prendado! Guardo até hoje a caixinha com laço de durepox que fez pra mim e dentro, o último cartão de aniversário, no meu nove-do-nove, com uma colagem. Jamais imaginaria que eu viria a fazer colagens também. Aliás, quando comecei as minhas criações sempre pensava que iria gostar. Acho que foram os únicos momentos que me fizeram querer acreditar que as almas nos rodeiam aqui na Terra porque, na verdade, eu só queria te mostrar o que eu estava fazendo.

    Vinte-e-oito! De lá prá cá quanta coisa mudou!

    Já existe remédio fornecido de graça pelo SUS, já existe tratamento, uma vida normal mesmo com o vírus. Existe até profilaxiapréexposição. Se fosse alguns anos depois. Sempre penso nisso.

    Penso também quem seria você hoje. Será que teria sido você a primeira pessoa a cortar meus cabelos curtos? Será que estaria sofrendo com esse governo? Será que trocaríamos ideias de leitura? Será que te idealizei?

    Vinte-e-oito e e eu já tenho quase quarenta-e-três.

    Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria lido pra você sobre os girassóis que Caio Fernando veio a escrever dois anos depois de mil-novecentos-e-noventa-e-três.

    Se eu pudesse voltar no tempo, não teria te feito trotes ao telefone e teria tomado um sunday com você naquele ‘café do ponto’ no predinho do salão.

    Hoje sou saudades.

  • Little Lulu ou Luluzinha

    Little Lulu ou Luluzinha

    De dentro da caixa guardada no fundo do armário apareceram essas figurinhas da turma da Luluzinha. Elas eram mais antigas que eu, mas quando ganhei de meu pai, agarrei e nunca mais me separei. Me fizeram companhia na infância e ficaram cuidadosamente guardadas na adolescência e idade adulta, quando passaram comigo por todas as minhas moradas.

    O apego não é à toa, Luluzinha era meu gibi preferido. Me recordo das idas à banca Jorelli no centro de Florianópolis, todos os domingos. Meu pai me dava carta branca para escolher meu gibi e ele comprava o exemplar da vez da revista Cinemin. (Coleção que mais tarde doamos para um amigo).

    Luluzinha & Bolinha me influenciaram graficamente com seus traços limpos e coloridos. Lulu também foi a primeira feminista que tive contato. Era uma menina inteligente, ardilosa e sabia se impor perante aos meninos do Clube do Bolinha. Além de ter sido criada por uma mulher, a cartunista Marjorie Buell.

    Com o tempo, minha coleção tornou-se grande e talvez um dos maiores arrependimentos da vida foi ter me desfeito dela. Salvei alguns exemplares e mais tarde resgatei edições em sebos, a fim de recuperar o tempo perdido.

    Mal sabia que nenhum tempo é perdido. As memórias da Lulu dentro de mim estão bem mais vivas do que imaginava! E para sempre.