O zelador toca a campainha de casa com um molho de chaves na mão:
” – O vizinho do duzentos-e-três disse que você está usando o hobby box dele. Aqui estão as chaves.”
Meu cérebro deu voltas tentando entender o que ele estava dizendo.
” – Desde 2012?”. Ano em que havia mudado para esse apartamento.
Decidi não interromper meu almoço e descer depois para resolver o mistério que não fazia o menor sentido.
Acabei de comer tentando conectar as palavras absurdas ditas há pouco pra mim.
Desde muito cedo na vida de uma mulher, nossa inteligência é colocada à prova. Já é quase automático ter que provar nosso entendimento pelas coisas e ficar com muita raiva de ser tratada como uma pessoa incapaz aos olhos de certos homens.
Ao descer, tentei abrir meu cadeado com a chave que sempre serviu. Nada. O cadeado era outro e mais novo.
Olhei para a porta do box ao lado e ela estava sem cadeado e marcada quinhentos-e-um a lápis.
Lembrei do personagem Aranha que Bolinha França, da turma da Luluzinha, encarnava em algumas histórias.
Eu mesma seria a Aranha desta vez, ávida em descobrir o “Seu Palhares” (o pai da Lulu era sempre o culpado) do pequeno prédio de classe média com nome metido em francês.
Lá estava eu respirando fundo e tocando no apartamento de uma vizinha antipática, que eu teria que lidar nas primeiras horas da minha tarde. Horas em que eu devia estar trabalhando.
Com um cachorro irritante pulando na minha perna, só consegui ouvir da moradora da cobertura que teria mais informações falando com a filha dela, moradora do segundo andar. Desci de novo.
A segunda história narrada pra mim foi que o zelador arrombou todos os boxes para saber qual era qual e numerá-los com o apartamento correspondente. Tudo isso sem avisar nenhum morador.
Usei mais um pouquinho a minha massa encefálica, ligando lé com cré – coisa que talvez seja um desafio para uma mulher de 46 anos, de acordo com alguns homens bem burros – e descobri o caso todo.
Não sabendo qual era o box da moradora da cobertura, o genro dela e o zelador tiveram a “incrível” ideia de arrombar todos os boxes em busca do box de sua sogra.
Não sei por quê decidiram que as minhas coisas pertenciam a outro morador, trocando as chaves dos cadeados arbitrariamente substituídos. Logo, eu não tinha mais acesso a elas.
Desse modo, um homem resolveu seu problema: cometendo um crime. Algo muito mais custoso que simplesmente perguntar à síndica ou pedir que ela enviasse uma mensagem a todos os moradores usando o grupo de whatsapp do prédio.
Decidi eu mesma comprar um cadeado novo, destroquei-os e resolvi o problema, por ora.
Até a próxima reunião de condomínio que se inicia logo mais.
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