Categoria: Devaneios

  • Modelo vivo

    Modelo vivo

    Quando estou insatisfeita com algumas coisas na vida, me sentindo sozinha ou chateada com alguma coisa que alguém fez pra mim, tento sair do padrão. Procuro fazer coisas novas, conversar com pessoas diferentes. Assim, descubro coisas de mim que de outra forma não descobriria.

    Depois de um desapontamento, percebi que estava deixando de fazer coisas interessantes por mim e perdendo energia com outras pessoas.

    Resolvi, finalmente, me dar a chance de tentar desenhar pessoas – coisa que sempre me achei muito ruim – e participar das sessões de modelo vivo promovida por dois amigos.

    Lá fui eu, munida de um caderno grandão A2 e uma lapiseira com grafite integral, daquelas bem grossas, que prometiam “soltar meu desenho”.

    Meu olhar já treinado a desenhar o que observo, na maioria das vezes um objeto arquitetônico, me ajudou no processo.

    Me senti motivada pelos primeiros resultados de três horas desenhando sem parar: desenhos de um, três, seis e até nove minutos. Aprendi que prefiro os de tempo mais curto.

    Escrevo aqui hoje, depois de cinco sessões e esperando por mais algumas que encerram o ciclo de encontros.

    Tem dias que os desenhos fluem, o modelo é mais desafiador, faz poses mais interessantes e veste roupas mais legais de desenhar. Outros em que não fico satisfeita com quase nada. Mas o importante, em tudo que se faz, é a prática que só a dedicação e repetição trazem.

    Então, continuo desenhando, desenhando, desenhando…

  • Mundo secreto

    Mundo secreto

    Esses dias, uma amiga comentou do prazer que ela tinha ao também acordar às 5h e fazer exercícios. Comentou também que parecia fazer parte de um mundo secreto.

    Achei ótima a definição porque sinto o mesmo.

    Acordar antes do amanhecer, ainda mais agora que o inverno se aproxima, faz a gente achar que é um dos poucos que estão acordados.

    Só escuto o miado da minha gata pedindo comida, de um ou outro cachorro na vizinhança e todos os tipos de pássaros, que fazem jus ao termo em inglês “earlybird”.

    Enquanto caminho, ainda é noite. Encontro um gato que ainda dorme na sua caixinha na garagem da casa. O silêncio me permite escutar alto o bater do bico do pica-pau no tronco da árvore.

    Cruzo com muito pouca gente no trajeto e essa sensação me traz um prazer imenso. Assim como assistir ao nascer do sol e ver as gradações de laranja e rosa que o céu se apresenta antes de ficar azul ou cinza.

    Então, ao acordar, lembre-se: já fui e já voltei do meu mundo secreto.

  • Como ficar sozinho

    Como ficar sozinho

    A bíblia da minha vida de ateia é um livro chamado “Como ficar sozinho“.

    Ao contrário do que primeiramente se pensa, não é um livro triste, nem de fracassados. É um livro inspirador, com experiências e questões interessantíssimas e filosóficas.

    Desde que escolhi não ter uma família com filhos, penso que tenho que saber e desfrutar de uma vida só. Tenho que bastar a mim mesma.

    Não tem a ver com gostar de ficar sozinha, embora muitas vezes eu goste. Adoro ter pessoas que gosto em redor. Gosto de ter amigos interessantes e de uma boa conversa também.

    O importante é não me impedir de fazer o que quero porque não tem ninguém junto na empreitada.

    É sozinha, no banho, que vêm as melhores ideias. É sozinha, caminhando, que vêm os melhores textos. As soluções da vida diária aparecem nas horas de solidão. E eu desfruto de estar comigo mesma, observando meus pensamentos.

    O maior deslize é quando esqueço que ‘quem tem vida interior jamais padecerá de solidão’, parafraseando Artur da Távola 🙂

    *Este livro apareceu na minha vida num sebo virtual e faz parte da coleção da “School of life”, famosa escola fundada pelo Alain de Botton.

  • Novo Mundo

    Novo Mundo

    Se você, homem, avistar uma mulher falando ao pé do ouvido de outra mulher, fique com medo. Quando entramos no banheiro todas juntas, tenha ainda mais receio. Rodinhas femininas, dupla caminhando, conversa no telefone: alerta!

    Além de estarmos falando sobre os nosso feitos e alegrias, compartilhamos também o que sabemos sobre os homens que passaram em nossa vida.

    Desse jeito, descobri que aquele cara massa que foi casado com a amiga, na verdade era um abusador. O outro, tem medida protetiva e não pode chegar perto da ex, nem dos filhos. Tem ainda o que a mulher tem que fazer o prato pra ele, todos os dias. O que se faz de solteiro, no bar ou no perfil da rede social, mas é casado há anos e tem filho. São inúmeros os casos de agressão física e estupro. É de chorar mesmo. Todos da “maravilhosa bolha de progressistas”.

    Trago verdades: a antiga tática de nos colocarem umas contra as outras já não funciona mais. Incentivar nossa competição e rivalidade, já não cola.

    Se você é homem e se identificou, muito provavelmente eu nem esteja falando de você. Mas aproveite o embalo e tente se ambientar no novo mundo.

  • Carol ou Fernanda?

    Carol ou Fernanda?

    Se passo em algum lugar e alguém que não conheço me olha de um jeito diferente, já sei exatamente o que a pessoa está pensando: que sou quem não sou.

    Aconteceu na loja de cosméticos, quando a atendente veio correndo passando na frente da outra atendente.

    No café, acharam se tratar dela e não de mim.

    No bar na calçada da Augusta, os rapazes da mesa ao lado conferiram no telefone a foto dela, que obviamente não era a minha.

    O garçom do restaurante em Salvador, que veio ao pé do ouvido me perguntar se eu era ela. Mas eu sou eu.

    Teve o marido da aluna, a amiga da amiga, a conhecida, o conhecido, o vizinho e a vizinha. Todos achavam eu muito parecida com ela.

    Já tiramos fotos juntas, já lhe entreguei um presente, já a encontrei numa exposição. Só ela não pensava que eu podia ser ela.

    Até o dia em que uma amiga me viu de longe no aeroporto. Levou um susto ao perceber que não era eu, era ela! A Fernanda.

  • Pequenos tuítes.

    Pequenos tuítes.

    Eu já deitada, Anna Kariênina novinho em folha na mão, lendo o prefácio de Thomas Mann, o marido pergunta: “Cadê a aniversariante?”. A gata está dormindo lá no meu ateliê. E ele traz a aniversariante pra dormir com a gente.

    Em busca do silêncio impossível.

    Enquanto caminho, Billy Corgan canta no meu ouvido, avisto um gato no alto da varanda de sua casa, um passaroco passa por mim carregando parte do material para a obra do ninho, as maritacas comem o alpiste colocado religiosamente todas as manhãs pelo senhor que mora em frente, a obra de ampliação da casa da esquina já está avançada, conheço o bebê que mora na casa dos gatos de sobrenome Mia, o banco que gosto de dar uma parada já está ocupado por uma senhora fumante de perfume forte, e Giordano – o gato mais gordo do Brasil – nunca mais foi avistado.

    Esse termo “entregar” para tudo que se faz na vida está muito errado. Esses dias ouvi um jovem falar que acumulou tantas horas de tal jogo. Acumulou? Pra mim, perdeu.

  • Um segundo

    Um segundo

    Em um segundo, tudo podia mudar.

    No meio do caminho pra casa, decidimos ir a um café. Vamos? Será? Fomos.

    Sentamos na única mesa vazia lá fora. Aguardamos nosso café filtrado e os pães de queijo.

    Foram servidos e sorvidos calmamente. De repente, um objeto pesado cai sobre a cobertura de onde estávamos, causando um estrondo enorme e um grande susto.

    Uns correram, eu fiquei paralisada. Uns falaram que alguém havia caído do prédio, outros ficaram mais reticentes em dar um veredicto.

    A chaminé metálica do estabelecimento havia despencado em cima do teto de policarbonato, que resistiu à colisão e não partiu sobre nossas cabeças. Nossa mesa estava ali, logo abaixo onde tudo ocorreu.

    Os pensamentos do que podia ter acontecido me atordoaram por alguns minutos depois. Imaginei minha gata Beterraba órfã de pai e mãe, sem ração por horas em casa.

    Mas logo passou.

    A vida é isso, questão de segundos. Um sopro, como gostava de dizer Niemeyer.

    Foto: arte feita por mim em tipografia, na Oficina Papel do Mato.

  • Balde de água fria

    Balde de água fria

    Nunca fui ingênua o suficiente para depositar todas as minhas esperanças em um candidato político.

    Mas é certo que chegamos ao fundo do poço nos últimos quatro anos e, por ora o candidato de esquerda foi a nossa salvação de um problema gigante.

    Juntando tudo isso à vontade do ano novo melhor, tinha alguma certeza de que algumas coisas que “plantei” no ano passado seriam desfrutadas em 2023.

    Eis que o ano chega difícil, pesado e devagar.

    Depositei energia em projetos que se dissolveram no ar. Assim como as palavras de algumas pessoas.

    Não estava compreendendo bem a minha tristeza profunda, mas quando parei pra pensar, identifiquei o luto que estou vivendo pelas coisas prometidas, batalhadas e não concluídas.

    Daqui pra frente, o jeito é me resguardar para recomeçar, um pouco mais sozinha e confiante da minha capacidade criativa. O meu sonho não é o sonho do outro, definitivamente.

    *Post dedicado ao amigo Guto Alves, jornalista de mão cheia.

    Imagem: arte de Ivan Grilo.

  • Olhar pra trás

    Olhar pra trás

    No finzinho do ano tenho mania de olhar pra trás e ver o que fiz de bom.

    Se andei umas três casas pra frente ou se voltei duas.

    Depois de rememorar os dias de 2022 escritos na minha agenda, posso me garantir: fui feliz.

    Fiquei triste, desesperada, sofri, chorei sozinha, porém menos vezes que as que ri, conversei com amigos e tive novas ideias.

    Vinte-e-dois foi o ano que tive minha vida mais perto do que era antes daquela sexta-feira treze de março de vinte-vinte. Minha mente respirou aliviada, meus braços abraçaram quem eu queria e beijei quem tive vontade.

    Filmes, livros e música me fizeram companhia, assim como velhos amigos e novos, que chegaram de fininho e encontraram um espacinho no meu coração. Como é bom!

    Obrigada, 2022. Silenciosamente agradeço a mim mesma e aos meus 44 anos de vida que me fizeram um pouco melhor.

    .

    Músicas que não saíram da minha cabeça

    • Mockinbirds, Mark Lanegan

    • Oceania, Smashing Pumpkins

    • Whiteout, Warpaint

    .

    Filmes que me emocionaram

    • Deserto Particular, Aly Muritiba

    • Great Freedom, Sebastian Meise

    • Bergman Island, Mia Hansen-Løve

    .

    Séries que me fizeram rir e chorar

    • Marvelous Mrs. Maisel, Amy Sherman-Palladino e Daniel Palladino

    • My brilliant friend, Saverio Costanzo

    • Irma Vep, Olivier Assayas 

    .

    Livros que embarquei

    • O parque das irmãs magníficas, Camila Sosa Villada

    • Arrastados e Todo dia a mesma noite, ambos de Daniela Arbex

    • Lula volume 1, Fernando Morais

    .

    * Devo ter sido injusta com várias outras obras. Não foi missão fácil escolher entre os 124 filmes assistidos e os 32 livros lidos. Sobre as músicas: tenho alma saudosista. Sempre volto para as influências da minha adolescência. Saudades 🙂

    .

    Melhor notícia do ano

    Lula ganhou as eleições!

  • Respiro

    Respiro

    O que mudou de domingo prá cá?

    Peguei um fôlego.

    Consegui respirar.

    Assisti ao jornal, depois de muitos anos.

    Consegui imaginar.

    Acordei rindo sozinha.

    Chorei um pouquinho, mas de felicidade.

    Dirigi cantando alto, e rindo mais um pouco.

    Amei algumas pessoas. Ainda mais.

    Criei. Ainda mais.

    Sigo assim.