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  • Mundo secreto

    Mundo secreto

    Esses dias, uma amiga comentou do prazer que ela tinha ao também acordar às 5h e fazer exercícios. Comentou também que parecia fazer parte de um mundo secreto.

    Achei ótima a definição porque sinto o mesmo.

    Acordar antes do amanhecer, ainda mais agora que o inverno se aproxima, faz a gente achar que é um dos poucos que estão acordados.

    Só escuto o miado da minha gata pedindo comida, de um ou outro cachorro na vizinhança e todos os tipos de pássaros, que fazem jus ao termo em inglês “earlybird”.

    Enquanto caminho, ainda é noite. Encontro um gato que ainda dorme na sua caixinha na garagem da casa. O silêncio me permite escutar alto o bater do bico do pica-pau no tronco da árvore.

    Cruzo com muito pouca gente no trajeto e essa sensação me traz um prazer imenso. Assim como assistir ao nascer do sol e ver as gradações de laranja e rosa que o céu se apresenta antes de ficar azul ou cinza.

    Então, ao acordar, lembre-se: já fui e já voltei do meu mundo secreto.

  • Agradecimento.

    Agradecimento.

    Os últimos quinze anos passei praticando yoga regularmente. Comecei tarde, com trinta anos, atrás de algo para acalmar o coração e apaziguar minha ansiedade. Encontrei minha primeira professora, que virou amiga, e uma prática que carregarei para o resto da vida.

    Mais tarde ela também virou minha aluna, mas de bordado.

    Durante essas práticas ouvia muito sobre gratidão, sentimento que sempre cultivei na vida. Na yoga, não foi difícil me sentir completa e agradecida por conquistar sempre alguns centímetros a mais no alongamento, de ter amigos, boas conversas e pela troca de experiências.

    Os anos passaram, a professora resolveu se aposentar num momento político bem conturbado. Num pós-pandemia cheio de fantasmas traduzidos em notícias falsas. Aposentou-se amargurada, dizem. Com o coração escasso de agradecimento.

    Ainda bem que gratidão a gente sente sem precisar que o outro sinta.

    Me sinto completa nessa jornada de quinze anos. Feliz por incluir a yoga na minha rotina e por encontrar nova mestra em uma amiga de longa data.

    Sigamos a prática. Namastê!

  • Carol ou Fernanda?

    Carol ou Fernanda?

    Se passo em algum lugar e alguém que não conheço me olha de um jeito diferente, já sei exatamente o que a pessoa está pensando: que sou quem não sou.

    Aconteceu na loja de cosméticos, quando a atendente veio correndo passando na frente da outra atendente.

    No café, acharam se tratar dela e não de mim.

    No bar na calçada da Augusta, os rapazes da mesa ao lado conferiram no telefone a foto dela, que obviamente não era a minha.

    O garçom do restaurante em Salvador, que veio ao pé do ouvido me perguntar se eu era ela. Mas eu sou eu.

    Teve o marido da aluna, a amiga da amiga, a conhecida, o conhecido, o vizinho e a vizinha. Todos achavam eu muito parecida com ela.

    Já tiramos fotos juntas, já lhe entreguei um presente, já a encontrei numa exposição. Só ela não pensava que eu podia ser ela.

    Até o dia em que uma amiga me viu de longe no aeroporto. Levou um susto ao perceber que não era eu, era ela! A Fernanda.

  • Olhar pra trás

    Olhar pra trás

    No finzinho do ano tenho mania de olhar pra trás e ver o que fiz de bom.

    Se andei umas três casas pra frente ou se voltei duas.

    Depois de rememorar os dias de 2022 escritos na minha agenda, posso me garantir: fui feliz.

    Fiquei triste, desesperada, sofri, chorei sozinha, porém menos vezes que as que ri, conversei com amigos e tive novas ideias.

    Vinte-e-dois foi o ano que tive minha vida mais perto do que era antes daquela sexta-feira treze de março de vinte-vinte. Minha mente respirou aliviada, meus braços abraçaram quem eu queria e beijei quem tive vontade.

    Filmes, livros e música me fizeram companhia, assim como velhos amigos e novos, que chegaram de fininho e encontraram um espacinho no meu coração. Como é bom!

    Obrigada, 2022. Silenciosamente agradeço a mim mesma e aos meus 44 anos de vida que me fizeram um pouco melhor.

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    Músicas que não saíram da minha cabeça

    • Mockinbirds, Mark Lanegan

    • Oceania, Smashing Pumpkins

    • Whiteout, Warpaint

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    Filmes que me emocionaram

    • Deserto Particular, Aly Muritiba

    • Great Freedom, Sebastian Meise

    • Bergman Island, Mia Hansen-Løve

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    Séries que me fizeram rir e chorar

    • Marvelous Mrs. Maisel, Amy Sherman-Palladino e Daniel Palladino

    • My brilliant friend, Saverio Costanzo

    • Irma Vep, Olivier Assayas 

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    Livros que embarquei

    • O parque das irmãs magníficas, Camila Sosa Villada

    • Arrastados e Todo dia a mesma noite, ambos de Daniela Arbex

    • Lula volume 1, Fernando Morais

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    * Devo ter sido injusta com várias outras obras. Não foi missão fácil escolher entre os 124 filmes assistidos e os 32 livros lidos. Sobre as músicas: tenho alma saudosista. Sempre volto para as influências da minha adolescência. Saudades 🙂

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    Melhor notícia do ano

    Lula ganhou as eleições!

  • Brincadeira

    Brincadeira

    Meu pai guarda alguns brinquedos que teve na infância. Um soldadinho de madeira e um barquinho de metal. Aluno exemplar, guardou também dezenas de medalhas de honra ao mérito. Sempre foi o primeiro da turma.

    Meu pai também me conta que tinha um barco de verdade. Eu sempre admirei. Ele pegava seu barquinho de madeira para navegar nas águas dos rios do sul de Minas. Qual criança hoje tem o próprio barco? Meu pai tinha.

    Foi meu pai que me deu meu brinquedo preferido: a casa cogumelo do Mundo Feliz. Hoje só guardo na memória o tanto que brinquei ali.

    Me lembro também de quando meu pai me dava brinquedos em dias aleatórios, sem nenhuma pompa e comemoração. E de quando ele trouxe um brinquedo muito especial na volta de uma viagem. Eu achava muito pra mim. Nos anos oitenta era assim. Não se podia ter tudo e tudo bem! Quando ganhava, tinha um gosto de merecimento, de esforço. O esforço dos meus pais.

    Esse post ficou jogado nos rascunhos por um bom tempo. Não me lembro mais porque comecei a falar de brinquedos. Mas posso ter certeza de que queria falar sobre meu pai.

    *Na foto: meu pai e meu irmão <3

  • Shine bright like a diamond.

    Shine bright like a diamond.

    Quando jovem, a gente se dizia feminista, mas na verdade não sabia quase nada sobre o feminismo. Não tinha a discussão e literatura que temos hoje. Talvez por isso, muito machismo que sofri na vida só identifiquei depois de adulta.
    Tive um amigo muito próximo. A gente fazia trabalho junto, criava junto. Ele era bastante criativo. E sempre deixei claro o quanto gostava do trabalho dele. Enquanto fazíamos as coisas juntos, estava tudo bem. Mas quando era trabalho individual e eu me dava bem, nunca recebi um elogio. E eu não ficava triste por isso, eu me sentia mal por ele não ter se dado tão bem. Assim se passaram alguns anos e ele sempre me colocou pra baixo. Mas, ao mesmo tempo, todo mundo sabia o quanto éramos amigos. Depois que eu encontrei outra turma, quando já estava adulta e dei um fim radical para algumas amizades anteriores, fui muito julgada. Inclusive por mim mesma.

    Apenas anos mais tarde entendi que só estava querendo ser feliz e querendo ter relações que me fizessem bem.
    Fui cobrada de várias maneiras por aquela amizade, mas também nunca contei o que sentia aqui dentro. Eu não sabia nomear. Eu não tinha a capacidade de contar. Só hoje sei.
    Hoje também vejo como eu fui cruel comigo várias vezes na vida, achando que estava sendo má com algumas pessoas, mas na verdade só estava querendo me proteger do machismo.
    É triste e, por vezes engraçado, ver que muito homem continua assim. Se sentem confortáveis nesse mundo, confiantes nesse seu lugar de privilégio.

    Muitos avaliam algo sobre mim, como se eu precisasse de aprovação. Outros sabem que eu entendo de algo que ele não entendem, mas se sentem confiantes em falar sobre aquilo de igual pra igual. Vêm me explicar coisas que eu fico até com vergonha alheia.

    Nas redes sociais, é comum eles curtirem fotos em que eu apareço, mas nunca do meu trabalho. Não imaginam o tanto que isso é frustrante. Não que precise de aprovação masculina para viver e criar, mas na vida, vez ou outra, são eles que são eles que vão dar a cartada final num emprego ou fazer parte de um júri, por exemplo. Ou seja, nós mulheres ficamos em desvantagem sim.

    Nunca falei sobre isso assim abertamente, mas é preciso falar. Hoje faço um exercício comigo mesma de sempre ouvir a mulher antes, de enaltecer o trabalho delas, quando puder, ajudá-las. Não é fácil, mas é preciso.

    Lembrando que falo tudo isso a partir do meu lugar de mulher branca. Não sou ingênua e conheço a situação bem mais difícil de outras mulheres. E, para essas, dou ainda mais prioridade em escutar.

    Filme Uma canta, a outra não, de Agnès Varda

    Três filmes que adoro sobre amizade feminina e dirigidos por mulheres:

    Uma canta, a outra não, de Agnès Varda.

    Garotas, de Céline Sciamma (minha cena favorita: https://www.youtube.com/watch?v=sH8hAdyKbgw).

    Skate kitchen, de Crystal Moselle (que deu origem à serie Betty, que também amo!).

    Skate Kitchen, de Crystal Moselle.
  • Earlybird

    Earlybird

    Muita gente sofre só de ouvir falar em acordar cedo, mas tem suas vantagens e presentes da natureza.

    Esse é um costume desde que me conheço por gente, pois sempre estudei de manhã na escola.

    Sou daquelas que toca o despertador e já pulo da cama. É bem verdade que hoje meu despertador pode ser minha gata, pontualíssima, pedindo comida ou o sol despontando lá fora acompanhado dos passarinhos cantantes,

    Muitos amigos acompanham minhas caminhadas quando resolvo postar meu percurso no Instagram: “A Carol já foi e já voltou”, “quero um dia ser como você”, “passou em frente à minha rua”.

    As pessoas dizem que eu as inspiro. Fico contente porque a inspiração é boa, então está valendo! Mas a verdade é que me faz muito bem e ainda tenho coisa pra contar: gatos que conheço no caminho, o inesperado trio de corujas que conversou comigo na semana passada, a névoa linda no gramado nas manhãs de inverno, o senhor que coloca alpiste para os passarinhos bem cedo, o menino lendo deitado na grama, sozinho, às 7h da manhã.

    É muito bom observar a cidade calma, ruas vazias, e a natureza imperando.

    Bom dia!

  • O desenho da letra

    O desenho da letra

    Sempre gostei de escrever. Escrever a mão, sem crase.

    Gosto é de desenhar as palavras. Sempre cultivei o que eu achava uma letra bonita. E sempre reparei na letras dos outros. E reparo até hoje.

    Desde muito jovem, quando conhecia uma letra bonita, logo adicionava algo dessa letra na minha também.

    Ao trocar de ano na escola, gostava de mudar de letra, como quem cria uma nova coleção de moda na próxima estação. E eu definia isso.

    Certa vez, o menino que eu gostava me escreveu uma carta. E que letra linda! Logo a minha ficou parecida com a dele.

    Fui assim até ficar adulta.

    Agora sinto que minha letra só muda pela falta de uso ou pela pressa ao escrever.

    Mas confirmo aqui: minha volta aos cadernos agora é definitiva.

    Voltei a escrever a mão, sem crase.