Brasileira sim. Nascida em Minas, com curta temporada no Rio e criada em Florianópolis.
Para brasileiro, nada é fácil. Mesmo a gente torcendo para que seja.
Domingo, depois de ir votar, foi dia de reunir alguns amigos para passar o dia juntos, reinaugurando meu lar para a temporada de almoços e jantares depois de mais de dois anos.
Foi dia de deixar um espumante gelando e torcer para que ele fosse aberto mais tarde.
O dia começou bem: comida árabe e muita cerveja boa.
Mas a gente foi murchando a cada número apurado a partir das cinco horas da tarde.
A noite foi caindo e nossa energia também. E a noite entrou desanimada.
Acordar na manhã de segunda não foi fácil.
Precisei de um dia inteiro para me recompor e reaver alguma esperança através dos números. E eles não mentem!
O espumante vai ter que esperar mais um mês. Mas só mais um mês! ★
Depois de uma viagem, coisa que não faço há algum tempo, gosto muito da sensação de voltar para casa.
Os dias que passo distante sempre provocam um novo olhar quando volto.
E esse olhar de estrangeira é um exercício que faço muito em várias fases da vida.
Começo a perceber como a vida acontece no bairro, as pessoas que encontro pelo caminho e começo a ver alguma beleza onde antes não via.
Dentro do lar, começo a ter carinho por cada objeto que veio parar aqui: um presente querido, uma lembrança especial de algum lugar, um móvel que herdei de alguém.
Começo também a achar legal a minha rotina que aos poucos vai voltando aos eixos.
Algumas notícias na vida já me fizeram parar para pensar na finitude das coisas. E elas me provocam a mesma sensação: as azaléias na rua ficam mais rosas, a palavra ouvida fica gravada na memória e a vontade de se fazer o que ainda não foi feito se torna urgente.
Sou uma pessoa que olha para os detalhes, falou um amigo ao ver minhas fotos. E assim é preciso ser na vida.
Pena que na maioria das vezes a gente esquece.
*Post inspirado na newsletter “Instante Perecível“, da amiga Bruna Roisenberg.
Começa de pouquinho, não te procura tanto quanto antes.
Esse pouquinho fica ainda menos. Vira um telefonema no aniversário.
Depois piora: o telefonema vira mensagem de whatsapp.
A notificação da realidade vem.
Por vezes, tento reverter a situação. Mas o outro lado fala que não quer se encontrar: “Não pode ser por telefone?”.
Não, não pode. Daí entendo de vez.
Tenho que deixar voar. Tenho que saber dar tchau.
Tenho também que saber que errei em algumas coisas e em outras não.
Vou dar oi para coisas novas.
Vou nutrir relações que existem e persistem, a seu modo. E essas me fazem bem. E continuar cultivando a vontade de ser feliz e de ser verdadeira comigo mesma.
E aquela partezinha fica na memória, porque ela quis ir embora.
Muitas vezes, meu lugar de refúgio é dentro da história de um filme já visto.
Aqui, na realidade-real-da-vida, a alegria e a tristeza oscilam. Por isso, tem dias que quero a certeza da história do filme já visto.
Para as tardes em que tudo deu errado, o calor do verão californiano do último dia de aula do ginásio, no filme Dazed & Confused. Perambular um dia inteiro com os amigos, prá lá e prá cá, sabendo que terá uma festinha à noite e a certeza de que irá tocar “Detroit Rock city“, do Kiss.
Para uma segunda-feira cinzenta, talvez um novo amor que esteja de férias na sua cidade. Um amor francês com a cara do Melvil Poupaud, que te mostre o outro lado das coisas, como em Broken English.
Para os dias de muita gente ao redor, talvez o melhor seja escapar para o silêncio e para a solidão de Lost in Translation. Pode aparecer alguém, quando você menos esperar, que te entenda perfeitamente.
Já para os dias de solidão, poder escapar para a amizade emocionante entre o artista JR e a diretora Agnès Varda, em Visages, villages, onde a idade é o que menos importa.
Tem ainda aqueles filmes que te fazem ter saudades de alguma coisa que você nem viveu. Ontem eu assisti ao Licorice Pizza e fiquei com saudades dos anos 70, mais precisamente de Los Angeles. Fiquei com saudades de quem eu já gostei e deixei de gostar. Fiquei com saudades da leveza e da falta de compromisso que só a juventude pode te proporcionar.
Na melancolia de um final de domingo chuvoso e frio, foi pra dentro dessa história que eu escapei. Com a certeza de que vou voltar.
Eu sempre achei que além do final de semana, toda quarta-feira também devia ser dia de folga. Um respiro no meio da semana não faria mal a ninguém.
E posso dizer com propriedade que dá certo e faz bem!
Um procedimento e um atestado ajudaram na realização do sonho. Sendo autônoma, empurrei o tempo para um lado e para o outro, e finalmente consegui ser cobaia de mim mesma. A quarta estava garantida!
De manhã, pude sentar tranquilamente na mesa de uma padaria para tomar um bom café acompanhado de cookies.
O almoço foi um peixe na Lagoa da Conceição. Confesso que até beberiquei uma cerveja.
As cadeiras de praia no porta-malas do carro serviram de sala de estar à beira da água para a siesta pós-comilança. De causar inveja a todo trabalhador celetista.
E, juro, ainda consegui trabalhar um pouco à tarde. Sem pressão, divertidamente, escutando boa música. O infarto foi prorrogado alguns anos. Certeza!
À noite, teve tempo para um filme e para o ócio.
Me sentia mais leve e tranquila para começar uma quinta e saber que faltava só mais um dia para o final de semana.
Sempre vivi com o estigma de ser uma virginiana. Nasci em setembro por acaso ou por culpa dos meus pais e assim os astros me definiram. As pessoas esperam que eu seja organizada, disciplinada, metódica e uma líder. Mas a verdade é que sou acumuladora, apegada, crítica e mandona.
Pode parecer que o rolê do sol em virgem é fazer uma limpa nos armários todo novo ano, mas confesso que tenho fugido disso há muito tempo.
Ontem, depois de uma prática de yoga intuitiva e solitária, veio uma vontade de finalmente encarar meus defeitos: armários cheios de coisas inúteis acumuladas nos últimos dez anos, tempo que moro nesse apartamento. Foi também a minha maneira esperta de deixar de lado as timelines intermináveis dos aplicativos do celular.
Comecei com as roupas de cama, cobertores e sapatos. Empolgada, fui para os acessórios e chapéus. Os sacos azuis de lixo foram se multiplicando. A sensação era de alegria e leveza.
Não contente, parti para o escritório. Em outros tempos, desfazer de livros seria doloroso. Agora só sentia mais e mais vontade de esvaziar as prateleiras e dar lugar para novas leituras.
Toda caixinha, porta-lápis e vidrinho que estavam na mesa se abriram como portais para o universo das pequenas coisinhas que não sabemos de onde vieram e pra onde vão. Chip de celular antigo, controle remoto estragado do portão da garagem, centavos de moeda de outro país, foram algumas delas a passarem na triagem da vida.
Mas lá estava eu, imbatível: joguei fora, doei, lavei, arrumei, organizei.
Estou longe de ser uma discípula Marie Kondo, mas hei de concordar que tudo isso deixa a gente cheia de energia para mais um recomeço. Enfim, feliz ano novo!
O primeiro ano foi de tensão, angústia, ansiedade, medo e todos os adjetivos ruins que uma pessoa pode sentir presos no meio da garganta.
Aos poucos, fomos acometidos de doses homeopáticas de alegria e bem-estar. Marcar um piquenique com alguns amigos, poder conversar no jardim com uma certa distância do interlocutor, poder entrar no mar, mesmo que tenha que ser às seis horas da manhã.
Depois veio a vacina de uma dose. Depois, a segunda dose da vacina de uma dose.
Veio a coragem de ir a um café naquela mesinha da área aberta. Caminhar de manhã cedo, sem ninguém por perto e, finalmente, sentir a brisa e o sol baterem no rosto sem máscara.
Mas aqui nos encontramos nas segundas férias sem viajar, com a impressão que caminhamos um longo trecho para chegar no mesmo lugar. Como dizia a celebridade na televisão: demos uma guinada de 360 graus.
Fiquei um mês sem escrever aqui, mas com muitas escritas mentais. Aliás, o tempo todo “escrevo com a mente”.
Final de ano bate o cansaço físico e mental. Tento olhar pra trás e dar sentido aos últimos doze meses. Tento me convencer que fiz alguma coisa, dei um passo à frente. Tento justificar meus fracassos, tento enaltecer minhas conquistas. Tento enumerar meus livros, meus discos, meus filmes. Checar e listar.
Depois de tudo isso, tento dar um ponto final. Só daí consigo saber o que quero pro novo ano.
Uma agenda nova, limpinha, para ser escrita. Mudanças no trabalho. Projetos para colocar em prática. Amizades a serem regadas. Encontros que podem ser feitos.
Dois mil e vinte e dois chega daqui a um mês. Quero muito que seja diferente, mas também quero que permaneça igual. Dá certo?
Quando jovem, a gente se dizia feminista, mas na verdade não sabia quase nada sobre o feminismo. Não tinha a discussão e literatura que temos hoje. Talvez por isso, muito machismo que sofri na vida só identifiquei depois de adulta. Tive um amigo muito próximo. A gente fazia trabalho junto, criava junto. Ele era bastante criativo. E sempre deixei claro o quanto gostava do trabalho dele. Enquanto fazíamos as coisas juntos, estava tudo bem. Mas quando era trabalho individual e eu me dava bem, nunca recebi um elogio. E eu não ficava triste por isso, eu me sentia mal por ele não ter se dado tão bem. Assim se passaram alguns anos e ele sempre me colocou pra baixo. Mas, ao mesmo tempo, todo mundo sabia o quanto éramos amigos. Depois que eu encontrei outra turma, quando já estava adulta e dei um fim radical para algumas amizades anteriores, fui muito julgada. Inclusive por mim mesma.
Apenas anos mais tarde entendi que só estava querendo ser feliz e querendo ter relações que me fizessem bem. Fui cobrada de várias maneiras por aquela amizade, mas também nunca contei o que sentia aqui dentro. Eu não sabia nomear. Eu não tinha a capacidade de contar. Só hoje sei. Hoje também vejo como eu fui cruel comigo várias vezes na vida, achando que estava sendo má com algumas pessoas, mas na verdade só estava querendo me proteger do machismo. É triste e, por vezes engraçado, ver que muito homem continua assim. Se sentem confortáveis nesse mundo, confiantes nesse seu lugar de privilégio.
Muitos avaliam algo sobre mim, como se eu precisasse de aprovação. Outros sabem que eu entendo de algo que ele não entendem, mas se sentem confiantes em falar sobre aquilo de igual pra igual. Vêm me explicar coisas que eu fico até com vergonha alheia.
Nas redes sociais, é comum eles curtirem fotos em que eu apareço, mas nunca do meu trabalho. Não imaginam o tanto que isso é frustrante. Não que precise de aprovação masculina para viver e criar, mas na vida, vez ou outra, são eles que são eles que vão dar a cartada final num emprego ou fazer parte de um júri, por exemplo. Ou seja, nós mulheres ficamos em desvantagem sim.
Nunca falei sobre isso assim abertamente, mas é preciso falar. Hoje faço um exercício comigo mesma de sempre ouvir a mulher antes, de enaltecer o trabalho delas, quando puder, ajudá-las. Não é fácil, mas é preciso.
Lembrando que falo tudo isso a partir do meu lugar de mulher branca. Não sou ingênua e conheço a situação bem mais difícil de outras mulheres. E, para essas, dou ainda mais prioridade em escutar.
Filme Uma canta, a outra não, de Agnès Varda
Três filmes que adoro sobre amizade feminina e dirigidos por mulheres:
Eu tinha acabado de acordar, minha mente fervilhava de ideias e resolvi escrever aquele texto de uma tacada só.
Ficou do jeito que eu queria. Porém, algumas manobras na vida não têm “undo”. Ao copiar de um aplicativo para levar a outro, acabei apagando minhas palavras para sempre.
Fiquei com raiva, irritada e triste, o que não ajudava em nada no processo de reescrevê-las. Desabafei na outra rede e recebi as palavras mais sinceras e bonitas do últimos tempos:
“Faça uma pausa. A pessoa que escreveu o texto anterior ainda é a mesma”.