Categoria: Devaneios

  • E quem paga por isso?

    E quem paga por isso?

    Na tarde de uma sexta veio a notícia pelo celular: ela não aguentou e partiu.

    Sabe aquelas pessoas que são de seu convívio sem você nem escolher?

    Depois do choque, veio o luto. Recebi a notícia sem mesmo ter o conhecimento de que estava doente. Fiquei semanas remoendo, pensando, elaborando aquela partida sem despedida. Em um dia escutava sua voz no corredor, no outro ela já nem existia mais neste planeta.

    Pensei em muita coisa. Muita coisa mesmo. Lembrei de quando a alertei do uso da máscara e ela prontamente falou que não acreditava nos “germes”. No dia me causou indignação e riso, agora eu sentia um gosto amargo descer pela garganta,

    Recordei também de quando ela afirmou que não tomaria a vacina porque tinha alergia. E eu pensava comigo de como o ser humano recorre de subterfúgios para explicar sua própria ignorância.

    Teve o dia de uma conversa sobre armas. Fiquei chateadíssima. Mas internamente meu veredito de negacionista estava confirmado.

    Não pense que as coisas são tão simples. A notícia não seguiu de um “bem feito” ou um “eu avisei”. De repente eu estava profundamente triste com a perda daquela pessoa que nem minha amiga era, mas que me tratava bem e tinha momentos engraçados. Fiquei com pena. Queria ter ajudado.

    Mas é assim que o discurso de um psicopata que está temporariamente na presidência consegue minar as famílias. Assim ele extermina uma parte da população. E aqueles que ficam? Não aprenderam nada, pelo que sei.

  • Earlybird

    Earlybird

    Muita gente sofre só de ouvir falar em acordar cedo, mas tem suas vantagens e presentes da natureza.

    Esse é um costume desde que me conheço por gente, pois sempre estudei de manhã na escola.

    Sou daquelas que toca o despertador e já pulo da cama. É bem verdade que hoje meu despertador pode ser minha gata, pontualíssima, pedindo comida ou o sol despontando lá fora acompanhado dos passarinhos cantantes,

    Muitos amigos acompanham minhas caminhadas quando resolvo postar meu percurso no Instagram: “A Carol já foi e já voltou”, “quero um dia ser como você”, “passou em frente à minha rua”.

    As pessoas dizem que eu as inspiro. Fico contente porque a inspiração é boa, então está valendo! Mas a verdade é que me faz muito bem e ainda tenho coisa pra contar: gatos que conheço no caminho, o inesperado trio de corujas que conversou comigo na semana passada, a névoa linda no gramado nas manhãs de inverno, o senhor que coloca alpiste para os passarinhos bem cedo, o menino lendo deitado na grama, sozinho, às 7h da manhã.

    É muito bom observar a cidade calma, ruas vazias, e a natureza imperando.

    Bom dia!

  • O mapa dos gatos

    O mapa dos gatos

    Depois de um ano e meio caminhando pelo mesmo bairro, poderia desenhar meu mapa mental das casas, as plantas de cada um dos jardins frontais, as fachadas. Conseguiria lembrar das casas com os jardins bem cuidados, das que pintaram, reformaram e trocaram as telhas.

    Mas prefiro mapear os gatos.

    Nos primeiros dias de caminhada pandêmica, conheci a Bernadete: gata tricolor, redonda e mansa. Conseguia até pegá-la no colo! Assim que chegava, ela já me via e ficava por ali até o final dos exercícios. Mais dois amiguinhos moravam nas casas em frente à dela. Um somente rajado e um rajado e branco, que adorava ficar no buraquinho da lajota da rua. Um gato buraqueiro!

    Bernadete, mal acostumada 🙂

    Na rua paralela, avistava os irmãos da casa amarela: um rajadinho menor e um laranjão maior. Fofos!

    Na esquina da praça tinha o gato preto. Um gato jovem, furtivo e esperto, que gostava de passear por aí.

    Tinha também o Bolinha França! O gato mais gorducho que já vi na vida (mentira! lembrei dos irmãos laranja enormes da loja de aviamentos de Garment District, em NYC). Mas Bolinha França não fica pra trás. Sua dona deixava a porta aberta pra ele passear na rua e ele vinha direto para meus carinhos. Era gordão e não castrado, o que me faz pensar que essa dona não tem muita noção e eu cuidaria melhor do bicho.

    Os gatos novaiorquinos
    Gorducho e laranja.

    Ultimamente não tenho mais avistado meus amigos felinos. Bernadete é de quem sinto mais falta porque eu realmente me apeguei a ela. Talvez, se eu tivesse cedido à ideia de sequestro felino, estaria com ela em casa neste momento.

    Me sobrou fazer o mapa dos gatos, com desenho, localização e nome de cada um. Nomes que eu mesma inventei.

  • Uma fila

    Uma fila

    Sinto saudades de sair na rua, pegar ônibus, pegar uma fila. Eram lugares que rendiam assunto para escrever.

    Hoje surgiu a oportunidade e fui pegar uma horinha de fila.

    Logo a mulher atrás de mim, nativa da barra da lagoa, começou uma conversa. O homem seguinte a reconheceu da fila do outro dia e logo juntou-se à nossa conversa. Em poucos minutos outra mulher entrou com tudo no papo, trazendo relatos da vida de antigamente na ilha.

    Falamos da coruja que entrou na igreja e ficou a missa toda (com fotos para comprovar!), das arapongas nos anos 80 que faziam barulho de ferro batendo. Era o som das minhas tardes de infância como moradora do centro da cidade.

    O senhor relatou que o mar chegava até o Hospital de Caridade, muito antes da obra do aterro, onde ele vendia marisco ainda criança com seu pai. Ainda falamos dos saguis que entram nas casas e pegam frutas e da infestação de jacarés. Houve um que atacou um cachorro na beira-mar!

    Eu só queria deixar meu pedido pro Corona: querido, dê uma trégua que a gente é feito de convívio!

  • Primeiras vezes

    Primeiras vezes

    Mais uma vez fui influenciada pela Bruna a escrever (ainda bem!).

    Em sua última newsletter, ela falou das últimas vezes. Aquelas que nem sabíamos que seriam as últimas, pois nem sabíamos que iríamos passar por uma pandemia. A última vez que assistiu a um filme no cinema, a última vez que foi num café com amigos. São várias e falarei sobre isso em um futuro próximo.

    Mas vou falar das primeiras vezes. A maior, claro, é a primeira vez que passo por uma pandemia e tenho que andar com máscara e longe de gente e lugares fechados. Acho que é a sua primeira vez também, né?

    Mas a nova vida fugindo de um vírus também permitiu que eu fizesse coisas pela primeira vez.

    Comecei a encontrar os amigos em lugares abertos e inusitados. Pela primeira vez, os encontros não seriam mais em mesa de bar ou no sofá de casa. Comecei a andar com cadeiras de praia no carro permanentemente: qualquer gramado é uma potencial sala de estar! Assim passei a vê-los na borda de uma lagoa, no terreno de uma igreja ou no campus vazio da universidade.

    Passei a agradecer por morar numa ilha. Temos natureza e espaços vazios por todos os lados! Nada melhor para despistar um vírus.

    Também foi a primeira vez que adotei o bairro residencial vizinho ao meu como minha pista de caminhadas. Cedinho, só tenho a companhia de alguns gatos, passarinhos e pica-pau e da lua que insiste em aparecer mesmo depois de amanhecer.

    Também pela primeira vez adotei as escadas do meu prédio como o acesso principal da minha casa. Há um ano e meio não uso elevador e os mais de oito lances não são mais impedimento para nada.

    Foi a primeira vez que passei a fazer yoga por vídeo e tem sido assim desde então. Possibilitou que eu não interrompesse a prática por nenhum dia. Não preciso me deslocar de casa o que me permite alguns minutos de leitura entre o café e a prática.

    Esse foi outro ponto: pela primeira vez começo o dia mais calma, sem a correria pra sair de casa. Assim, descobri que gosto muito de ler de manhã bem cedo. Minha concentração nesse horário é máxima e a cidade ainda está quieta.

    Acho que foi a minha maior e melhor descoberta: acordar às 5h30 e poder ler enquanto há silêncio total.

  • Cansada

    Cansada

    Meu whatsapp não toca mais. Tirei as notificações de tudo e todos há algum tempo.

    Claro que gosto de uma mensagem de carinho aqui, outra notícia de amiga sumida ali. Mas cansei de muita comunicação.

    Já não consigo abrir um vídeo, e nem adianta me mandar. Não quero ver.

    Não quero e não vou. Não me leve a mal.

    Estou disponível para conversas interessantes.

    Estou disponível para te contar o que li e o que vi, ou revi ou o que escutei.

    Estou disponível para caminhar por aí, para te encontrar num dia de sol, no parque.

    É só chamar.

  • Chororô

    Chororô

    Sempre me emocionei fácil. Puxei ao meu pai, que chora até em comercial de televisão.

    Brinco com meus amigos sobre os filmes que mais gosto de ver: “Se não me fizer sofrer e me matar de chorar, nem me interessa”. Passo fácil as comédias ( mas confesso que sou de riso frouxo) e vou direto para os dramas.

    De repente, me vi pior nessa pandemia. Ando chorando por muito menos!

    Choro com gente vacinada e choro com propaganda do Médico sem Fronteiras.

    Só no dia de hoje, foi anúncio de fechamento de uma loja de 140 anos que eu frequentava, o comentário da conta da filha da Agnès Varda no Instagram da FofysFactory que me deixou muito emocionada e a partida de Artur Xexéo, que me fazia companhia nas tardes do Estúdio I.

    Tá certo! Não é pouca coisa. É MUITA coisa acontecendo. E o choro faz a gente colocar algo pra fora e recomeçar a vida.

    Cada choro, um recomeço. Chore!

    *Preciso dizer aqui que escrevi esse post, titubeei e deixei no rascunho. Mas hoje de manhã recebi a newsletter a Bruna que falava também sobre o choro. Não achei coincidência e resolvi postar. É o “espírito” de nosso tempo.

  • O desenho da letra

    O desenho da letra

    Sempre gostei de escrever. Escrever a mão, sem crase.

    Gosto é de desenhar as palavras. Sempre cultivei o que eu achava uma letra bonita. E sempre reparei na letras dos outros. E reparo até hoje.

    Desde muito jovem, quando conhecia uma letra bonita, logo adicionava algo dessa letra na minha também.

    Ao trocar de ano na escola, gostava de mudar de letra, como quem cria uma nova coleção de moda na próxima estação. E eu definia isso.

    Certa vez, o menino que eu gostava me escreveu uma carta. E que letra linda! Logo a minha ficou parecida com a dele.

    Fui assim até ficar adulta.

    Agora sinto que minha letra só muda pela falta de uso ou pela pressa ao escrever.

    Mas confirmo aqui: minha volta aos cadernos agora é definitiva.

    Voltei a escrever a mão, sem crase.

  • A história de quem foge e quem fica

    A história de quem foge e quem fica

    A pandemia deu uma desorganizada geral nas amizades, não acha? Parece que colocou tudo dentro de um copinho e jogou, feito dados, para decidir quem vai e quem fica.

    Foi uma dança das cadeiras. Aquela pessoa que estava ali, mas não falava muito, talvez tenha sido a que mais te fez companhia. Mesmo que virtualmente. A outra, empolgadíssima com você outrora, te baniu das redes sem nem dar satisfações. Evaporou-se!

    Pouquíssimos foram aqueles que estiveram presencialmente.

    Mas, te digo, esses que caminham junto comigo por mais de um ano, me fazem muito bem!

  • Olhe pra cima!

    Olhe pra cima!

    Tudo parecia tão diferente. No lugar das habituais flores, cruzes estavam cravadas na terra.

    Mas olhei pra cima e o céu continuava azul, o sol queimava a pele e o vento batia no rosto.

    Ainda olhando pra cima, formou-se um teto verde e leve com as folhas das aroeiras frondosas. Os bem-te-vis também estavam ali, assim como a gralha azul que cantou forte na árvore mais distante.

    De certa forma, a vida continua.