Território

Socorro Acioli escreveu em seu livro Oração para Desaparecer: “Estar vivo é ser palavra na boca de alguém. Não lembrar delas me condenou ao abismo, não saber os nomes das pessoas, do meu lugar, a narrativa da minha vida, tudo o que somos é história e história se conta com palavras. Por isso bastou um bilhete. Lembrei-me da missa: ‘Mas dizei uma palavra e serei salvo’. Fui salva por apenas duas, o nome da cidade de onde vim e o meu nome.”

Sou a Carol Grilo. Não quero falar de onde vim, mas do bairro onde moro. Não sou nativa do Córrego Grande, nem de Florianópolis. Vivo no bairro desde a minha pré-adolescência, em 1990.

Aqui, me tornei adulta e morei em três lares diferentes. Até então.

Nesses 35 anos, acompanhei as transformações deste pedaço da cidade. Vi comércios abrirem e fecharem, assisti à demolição de casas para darem lugar a edifícios, vi uma fazenda inteira dar lugar a condomínios e escutei a motoserra ceifando garapuvus para ser construído um loteamento no alto do morro.

No meu imaginário, hoje o bairro se divide em dois.

Um bairro recente, com prédios mais altos, com uma vizinhança completamente alheia à história local. Um lugar com petshops e markets, com padarias caras e muitas salas comerciais para alugar.

O bairro que me interessa é o segundo. O Córrego Grande que ainda me faz lembrar do tempo em que me mudei pra cá. Com as casas que resistem, com as árvores e jardins que permanecem enraizados, com a vizinhança que se conhece, que se encontra na feira, no posto de saúde e nos centros comunitários.

Nesta semana, estava no sertão do Córrego Grande conversando com outras moradoras do bairro e muitas memórias voltaram vivas à minha mente através do que cada uma relembrou.

Voltei pensativa sobre o que é território e o que ele significa pra gente.

Não pude deixar de pensar nas pessoas que vivem na Palestina, retratadas no documentário Sem chão (No other land ), dirigido por Yuval Abraham, Basel Adra e Hamdan Ballal.

Me imaginei perdendo as casas onde vivemos, as escolas onde estudamos, sem chance de as salvarmos.

Onde o que resta é reconstruirmos tudo com as próprias mãos.

Essa reconstrução só acontece porque há uma comunidade unida pelos mesmos valores e objetivos.

Em busca de uma comunidade, é que decidi participar de um grupo local e criar novos laços nesse território próximo.

Voltei a circular pelas ruelas do Jardim Guarani, a escutar as crianças na hora do recreio na creche municipal ou a cruzar sempre com o mesmo cachorro vizinho.

E sigo pensando sobre território e identidade.

E o que resta de nós sem os dois.

Comentários

2 respostas para “Território”

  1. Avatar de Ivan Jerônimo

    Já já não vai mais existir a vilazinha do Monsieur Hulot, só a cidade modernosa.

    1. Avatar de Carol Grilo
      Carol Grilo

      ou a gente resiste ou buscamos a vilazinha em outro lugar 🙂

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *