Autor: Carol Grilo

  • Carol ou Fernanda?

    Carol ou Fernanda?

    Se passo em algum lugar e alguém que não conheço me olha de um jeito diferente, já sei exatamente o que a pessoa está pensando: que sou quem não sou.

    Aconteceu na loja de cosméticos, quando a atendente veio correndo passando na frente da outra atendente.

    No café, acharam se tratar dela e não de mim.

    No bar na calçada da Augusta, os rapazes da mesa ao lado conferiram no telefone a foto dela, que obviamente não era a minha.

    O garçom do restaurante em Salvador, que veio ao pé do ouvido me perguntar se eu era ela. Mas eu sou eu.

    Teve o marido da aluna, a amiga da amiga, a conhecida, o conhecido, o vizinho e a vizinha. Todos achavam eu muito parecida com ela.

    Já tiramos fotos juntas, já lhe entreguei um presente, já a encontrei numa exposição. Só ela não pensava que eu podia ser ela.

    Até o dia em que uma amiga me viu de longe no aeroporto. Levou um susto ao perceber que não era eu, era ela! A Fernanda.

  • Pequenos tuítes.

    Pequenos tuítes.

    Eu já deitada, Anna Kariênina novinho em folha na mão, lendo o prefácio de Thomas Mann, o marido pergunta: “Cadê a aniversariante?”. A gata está dormindo lá no meu ateliê. E ele traz a aniversariante pra dormir com a gente.

    Em busca do silêncio impossível.

    Enquanto caminho, Billy Corgan canta no meu ouvido, avisto um gato no alto da varanda de sua casa, um passaroco passa por mim carregando parte do material para a obra do ninho, as maritacas comem o alpiste colocado religiosamente todas as manhãs pelo senhor que mora em frente, a obra de ampliação da casa da esquina já está avançada, conheço o bebê que mora na casa dos gatos de sobrenome Mia, o banco que gosto de dar uma parada já está ocupado por uma senhora fumante de perfume forte, e Giordano – o gato mais gordo do Brasil – nunca mais foi avistado.

    Esse termo “entregar” para tudo que se faz na vida está muito errado. Esses dias ouvi um jovem falar que acumulou tantas horas de tal jogo. Acumulou? Pra mim, perdeu.

  • Um segundo

    Um segundo

    Em um segundo, tudo podia mudar.

    No meio do caminho pra casa, decidimos ir a um café. Vamos? Será? Fomos.

    Sentamos na única mesa vazia lá fora. Aguardamos nosso café filtrado e os pães de queijo.

    Foram servidos e sorvidos calmamente. De repente, um objeto pesado cai sobre a cobertura de onde estávamos, causando um estrondo enorme e um grande susto.

    Uns correram, eu fiquei paralisada. Uns falaram que alguém havia caído do prédio, outros ficaram mais reticentes em dar um veredicto.

    A chaminé metálica do estabelecimento havia despencado em cima do teto de policarbonato, que resistiu à colisão e não partiu sobre nossas cabeças. Nossa mesa estava ali, logo abaixo onde tudo ocorreu.

    Os pensamentos do que podia ter acontecido me atordoaram por alguns minutos depois. Imaginei minha gata Beterraba órfã de pai e mãe, sem ração por horas em casa.

    Mas logo passou.

    A vida é isso, questão de segundos. Um sopro, como gostava de dizer Niemeyer.

    Foto: arte feita por mim em tipografia, na Oficina Papel do Mato.

  • Balde de água fria

    Balde de água fria

    Nunca fui ingênua o suficiente para depositar todas as minhas esperanças em um candidato político.

    Mas é certo que chegamos ao fundo do poço nos últimos quatro anos e, por ora o candidato de esquerda foi a nossa salvação de um problema gigante.

    Juntando tudo isso à vontade do ano novo melhor, tinha alguma certeza de que algumas coisas que “plantei” no ano passado seriam desfrutadas em 2023.

    Eis que o ano chega difícil, pesado e devagar.

    Depositei energia em projetos que se dissolveram no ar. Assim como as palavras de algumas pessoas.

    Não estava compreendendo bem a minha tristeza profunda, mas quando parei pra pensar, identifiquei o luto que estou vivendo pelas coisas prometidas, batalhadas e não concluídas.

    Daqui pra frente, o jeito é me resguardar para recomeçar, um pouco mais sozinha e confiante da minha capacidade criativa. O meu sonho não é o sonho do outro, definitivamente.

    *Post dedicado ao amigo Guto Alves, jornalista de mão cheia.

    Imagem: arte de Ivan Grilo.

  • Escrevendo cartas

    Escrevendo cartas

    Tenho vários sketchbooks onde testo todo tipo de técnica de desenho, colagem e pintura.

    Compartilhando fotos das minhas páginas, chegou o convite da Letícia Gallotti, proprietária da papelaria Papellotti, para criar uma coleção de papéis de carta e adesivos

    Há mais de seis meses, comecei esta empreitada criando uma série de desenhos com caneta nanquim e guache que pudessem virar estampas desta nova coleção.

    O kit é formado por uma bolsinha plástica, quatro estampas de papéis de carta e seus respectivos envelopes, mais uma cartela de adesivos. Assim como nos velhos tempos, a ideia é voltarmos a escrever cartas pra quem a gente gosta ou até mesmo colecioná-las.

    A boa notícia é que foi lançado em dezembro, com as comemorações de 10 anos da papelaria. Uma felicidade só ver a ideia concretizada, depois de tantas idas e vindas da gráfica até ficar do jeito que queríamos.

    Se quiser comprar o seu, já está disponível da Papellotti, no centro de Florianópolis:

    Rua Saldanha Marinho, 305

    Telefone(48) 3223-7868

  • Um país feliz de novo

    Um país feliz de novo

    O primeiro convite do Zeca Camargo veio em 2021, para ilustrar uma playlist de três músicas, um patrocinado do Deezer, que acabou por apresentar centenas de artistas brasileiros, incluindo eu, através de sua conta no Instagram.

    Mas no final de 2022, Zeca voltou a falar comigo. Se tratava de um convite muito especial: ele estava criando uma galeria virtual a ser lançada no primeiro do ano, comemorando a posse do presidente Lula e a nova fase que se inicia em nosso país. Deixou claro que eu teria a total liberdade de citar o presidente, caso quisesse.

    Comecei os rabiscos no caderno, colagens, carimbos. Fui atrás de ideias antigas largadas. Eis que lembrei da colagem que tinha feito na oficina do álbum de família, ministrada pela colagista Pati Peccin. Essa criação tinha feito algum sucesso e a imagem mescla parte da cidade grande – O Rio de Janeiro da minha infância – e uma foto do interior de Minas – onde nasci.

    A nova ideia foi usar um bordado de estrela vermelha que tinha feito na campanha presidencial do Lula e colocá-lo como um sol, despontando atrás das montanhas com os dizeres “2023, um país feliz de novo”.

    Assim, surgiu a arte que virou também meu cartão de ano novo para os amigos e que aos poucos se espalha pela internet.

    Foi resultado de esperança, vontade de criar e de um posicionamento muito importante de alguém que tem o alcance como o Zeca.

    E o desfecho dessa história foi lindo: a cerimônia emocionante de posse do presidente Lula, assistida entre amigos.

    Venha, 2023!

  • Olhar pra trás

    Olhar pra trás

    No finzinho do ano tenho mania de olhar pra trás e ver o que fiz de bom.

    Se andei umas três casas pra frente ou se voltei duas.

    Depois de rememorar os dias de 2022 escritos na minha agenda, posso me garantir: fui feliz.

    Fiquei triste, desesperada, sofri, chorei sozinha, porém menos vezes que as que ri, conversei com amigos e tive novas ideias.

    Vinte-e-dois foi o ano que tive minha vida mais perto do que era antes daquela sexta-feira treze de março de vinte-vinte. Minha mente respirou aliviada, meus braços abraçaram quem eu queria e beijei quem tive vontade.

    Filmes, livros e música me fizeram companhia, assim como velhos amigos e novos, que chegaram de fininho e encontraram um espacinho no meu coração. Como é bom!

    Obrigada, 2022. Silenciosamente agradeço a mim mesma e aos meus 44 anos de vida que me fizeram um pouco melhor.

    .

    Músicas que não saíram da minha cabeça

    • Mockinbirds, Mark Lanegan

    • Oceania, Smashing Pumpkins

    • Whiteout, Warpaint

    .

    Filmes que me emocionaram

    • Deserto Particular, Aly Muritiba

    • Great Freedom, Sebastian Meise

    • Bergman Island, Mia Hansen-Løve

    .

    Séries que me fizeram rir e chorar

    • Marvelous Mrs. Maisel, Amy Sherman-Palladino e Daniel Palladino

    • My brilliant friend, Saverio Costanzo

    • Irma Vep, Olivier Assayas 

    .

    Livros que embarquei

    • O parque das irmãs magníficas, Camila Sosa Villada

    • Arrastados e Todo dia a mesma noite, ambos de Daniela Arbex

    • Lula volume 1, Fernando Morais

    .

    * Devo ter sido injusta com várias outras obras. Não foi missão fácil escolher entre os 124 filmes assistidos e os 32 livros lidos. Sobre as músicas: tenho alma saudosista. Sempre volto para as influências da minha adolescência. Saudades 🙂

    .

    Melhor notícia do ano

    Lula ganhou as eleições!

  • Respiro

    Respiro

    O que mudou de domingo prá cá?

    Peguei um fôlego.

    Consegui respirar.

    Assisti ao jornal, depois de muitos anos.

    Consegui imaginar.

    Acordei rindo sozinha.

    Chorei um pouquinho, mas de felicidade.

    Dirigi cantando alto, e rindo mais um pouco.

    Amei algumas pessoas. Ainda mais.

    Criei. Ainda mais.

    Sigo assim.

  • Brasileira

    Brasileira

    Brasileira sim. Nascida em Minas, com curta temporada no Rio e criada em Florianópolis.

    Para brasileiro, nada é fácil. Mesmo a gente torcendo para que seja.

    Domingo, depois de ir votar, foi dia de reunir alguns amigos para passar o dia juntos, reinaugurando meu lar para a temporada de almoços e jantares depois de mais de dois anos.

    Foi dia de deixar um espumante gelando e torcer para que ele fosse aberto mais tarde.

    O dia começou bem: comida árabe e muita cerveja boa.

    Mas a gente foi murchando a cada número apurado a partir das cinco horas da tarde.

    A noite foi caindo e nossa energia também. E a noite entrou desanimada.

    Acordar na manhã de segunda não foi fácil.

    Precisei de um dia inteiro para me recompor e reaver alguma esperança através dos números. E eles não mentem!

    O espumante vai ter que esperar mais um mês. Mas só mais um mês! ★

  • Estrangeira

    Estrangeira

    Depois de uma viagem, coisa que não faço há algum tempo, gosto muito da sensação de voltar para casa.

    Os dias que passo distante sempre provocam um novo olhar quando volto.

    E esse olhar de estrangeira é um exercício que faço muito em várias fases da vida.

    Começo a perceber como a vida acontece no bairro, as pessoas que encontro pelo caminho e começo a ver alguma beleza onde antes não via.

    Dentro do lar, começo a ter carinho por cada objeto que veio parar aqui: um presente querido, uma lembrança especial de algum lugar, um móvel que herdei de alguém.

    Começo também a achar legal a minha rotina que aos poucos vai voltando aos eixos.

    Algumas notícias na vida já me fizeram parar para pensar na finitude das coisas. E elas me provocam a mesma sensação: as azaléias na rua ficam mais rosas, a palavra ouvida fica gravada na memória e a vontade de se fazer o que ainda não foi feito se torna urgente.

    Sou uma pessoa que olha para os detalhes, falou um amigo ao ver minhas fotos. E assim é preciso ser na vida.

    Pena que na maioria das vezes a gente esquece.

    *Post inspirado na newsletter “Instante Perecível“, da amiga Bruna Roisenberg.