Começa de pouquinho, não te procura tanto quanto antes.
Esse pouquinho fica ainda menos. Vira um telefonema no aniversário.
Depois piora: o telefonema vira mensagem de whatsapp.
A notificação da realidade vem.
Por vezes, tento reverter a situação. Mas o outro lado fala que não quer se encontrar: “Não pode ser por telefone?”.
Não, não pode. Daí entendo de vez.
Tenho que deixar voar. Tenho que saber dar tchau.
Tenho também que saber que errei em algumas coisas e em outras não.
Vou dar oi para coisas novas.
Vou nutrir relações que existem e persistem, a seu modo. E essas me fazem bem. E continuar cultivando a vontade de ser feliz e de ser verdadeira comigo mesma.
E aquela partezinha fica na memória, porque ela quis ir embora.
Uma casinha é demolida para dar lugar ao prédio modernoso.
Uma árvore é cortada com a desculpa de que o vento pode fazer ela cair.
Uma calçada de ladrilho antigo dá lugar ao revestimento novinho e brilhante.
Um pouco de saudosismo faz a gente se apegar às coisas do passado.
Mas há também beleza e história pra contar ao preservar essas coisas do passado.
Até a minha pequena cidade mineira já não é mais a mesma da minha memória.
Na lembrança, ainda tenho vivinha a imagem do Cine Presidente de arquitetura art déco, todo em tons pastéis. Tenho também a memória dos filmes que assisti ali. Das sessões animadas dos filmes dos Trapalhões, na infância, e de “Garota, interrompida”, que me marcou a adolescência.
Lembro também do bairro residencial apenas com casas, hoje tomado por prédios.
Da loja da esquina da praça, onde a gente ganhava uma bola colorida do meu vô.
Aqui onde moro também já não é o mesmo lugar.
Havia meu predinho preferido no centro da cidade. Foi demolido num domingo quieto, sem alarde. Já era.
O colégio onde passei a vida. Prédio brutalista, com um teatro interessantíssimo. Já deixou de ser colégio. Com o coração dolorido constato que, por fim, virou uma igreja.
Há mudanças boas, mas nessas só vejo ganância e equívoco.
Meu pai guarda alguns brinquedos que teve na infância. Um soldadinho de madeira e um barquinho de metal. Aluno exemplar, guardou também dezenas de medalhas de honra ao mérito. Sempre foi o primeiro da turma.
Meu pai também me conta que tinha um barco de verdade. Eu sempre admirei. Ele pegava seu barquinho de madeira para navegar nas águas dos rios do sul de Minas. Qual criança hoje tem o próprio barco? Meu pai tinha.
Foi meu pai que me deu meu brinquedo preferido: a casa cogumelo do Mundo Feliz. Hoje só guardo na memória o tanto que brinquei ali.
Me lembro também de quando meu pai me dava brinquedos em dias aleatórios, sem nenhuma pompa e comemoração. E de quando ele trouxe um brinquedo muito especial na volta de uma viagem. Eu achava muito pra mim. Nos anos oitenta era assim. Não se podia ter tudo e tudo bem! Quando ganhava, tinha um gosto de merecimento, de esforço. O esforço dos meus pais.
Esse post ficou jogado nos rascunhos por um bom tempo. Não me lembro mais porque comecei a falar de brinquedos. Mas posso ter certeza de que queria falar sobre meu pai.
Nunca gostei de fazer compras, mas tenho que confessar que o universo dentro de um supermercado é único. As conversas entre os funcionários, a escolha dos produtos no carrinho alheio e a trilha sonora: essa é muito peculiar e nos transporta pelo túnel do tempo.
Foi chegando ao caixa do supermercado Big que soube da morte do Michael Jackson, por exemplo.
Coisas estranhas acontecem ali.
Mas as impressões se modificam dependendo do horário que é frequentado. Quanto mais tarde, maior a melancolia entre os corredores.
Quando falo de supermercados, lembro também de filmes que se passam nesse ambiente. E tenho uma queda pela tristeza que eles carregam em suas histórias.
Automaticamente me lembro de The good girl (Por um sentido na vida). A vida medíocre da personagem principal, interpretada pela Jennifer Aniston, faz ela se apaixonar por um menino bem mais novo (interpretado pela Jake Gyllenhaal). Tudo é lindo quando se está apaixonada. Mas somente quando se está apaixonada.
Em Morvern Callar, a personagem principal de mesmo nome, também trabalha em um supermercado. Mas tudo vai mudar na sua vida com a morte de seu namorado. Foi uma sensação a estreia desse filme. A trilha sonora foi uma das que mais escutei na vida!
Mas todas essa conversa de supermercado, foi pra dizer o filme que assisti esses dias no Mubi: In the aisles. Um filme alemão simples, muito bonito e, claro, triste.
Depois de mais de um mês participando da oficina de colagem “Álbum de família”, com Pati Peccin e Alicia Ferreira, eis aqui meu álbum pronto!
Foram semanas revirando fotos antigas, criando uma história em cima da minha história já vivida: minha primeira infância no Rio de Janeiro, alternada com as férias no sul de Minas, entre as montanhas da Mantiqueira.
Por dias, fiquei com a mesa cheia, entre os recortes, pinturas e combinações. Entre papéis, estilete, guache e cola. E muitas, mas muitas ideias na cachola.
Não foi tarefa fácil, mas muito prazerosa, reviver momentos e combinarcom imagens achadas, linhas bordadas, carimbos e adesivos. Fui buscar inspiração até no caderno de receitas da minha mãe.
Os encontros online foram de muita partilha de narrativas familiares. Alguns se emocionaram ao contar a invisibilidade de um ancestral e ao descobrir suas origens. Para coroar a vivência de mais de um mês de encontros regulares, tivemos um encontro presencial no último sábado, com os participantes moradores da ilha. Entre gin e vinho, ostras e pães de queijo, passamos uma tarde agradabilíssima entre amigos antigos e recém feitos. Senti uma pequena amostra de uma vida que já foi normal ao ser recebida no lar da Pati e Aleph.
Por fim, chegou o dia de folhear o álbum sentada no sofá, entre meu pai e minha mãe: os personagens principais dessa história entre o Rio e as montanhas.
Me reencontrei com a Escrita de Lygia Fagundes Telles depois de adulta, com “Ciranda de Pedra”. Se tornou uma das minhas escritoras favoritas.
Sua escrita misteriosa, que busca caminhos inesperados, me inspirou em vários bordados que fiz na FofysFactory®.
Em 2018, fui convidada para participar da exposição “As linhas do corpo”, um coletivo de artistas que bordam aqui de Florianópolis.
Quando comecei a pesquisa, me deparei com uma frase do livro “A disciplina do amor”, e a partir dali comecei a desenvolver minha obra “Linha dupla”.
É desta obra em que a frase bordada por mim “Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas”, desde ontem, foi espalhada pelas redes sociais quase sem nenhum crédito.
Tempo depois, ao ministrar uma oficina unindo bordado e literatura no Colégio de Aplicação da UFSC, fiz meu segundo trabalho inspirado em sua escrita. Nesta obra, usei uma frase de “Verão no aquário”:
Essas criações autorais, viraram também bordados encomendados por clientes da FofysFactory®, o que me deixou muito feliz.
As palavras de Lygia estão presentes nas minhas criações porque, de alguma forma, elas traduzem o que sinto.
Não dá só para lamentar sua partida: deixou uma vasta obra e morreu prestes a fazer 99 anos. Há de se comemorar um legado desses!
Muitas vezes, meu lugar de refúgio é dentro da história de um filme já visto.
Aqui, na realidade-real-da-vida, a alegria e a tristeza oscilam. Por isso, tem dias que quero a certeza da história do filme já visto.
Para as tardes em que tudo deu errado, o calor do verão californiano do último dia de aula do ginásio, no filme Dazed & Confused. Perambular um dia inteiro com os amigos, prá lá e prá cá, sabendo que terá uma festinha à noite e a certeza de que irá tocar “Detroit Rock city“, do Kiss.
Para uma segunda-feira cinzenta, talvez um novo amor que esteja de férias na sua cidade. Um amor francês com a cara do Melvil Poupaud, que te mostre o outro lado das coisas, como em Broken English.
Para os dias de muita gente ao redor, talvez o melhor seja escapar para o silêncio e para a solidão de Lost in Translation. Pode aparecer alguém, quando você menos esperar, que te entenda perfeitamente.
Já para os dias de solidão, poder escapar para a amizade emocionante entre o artista JR e a diretora Agnès Varda, em Visages, villages, onde a idade é o que menos importa.
Tem ainda aqueles filmes que te fazem ter saudades de alguma coisa que você nem viveu. Ontem eu assisti ao Licorice Pizza e fiquei com saudades dos anos 70, mais precisamente de Los Angeles. Fiquei com saudades de quem eu já gostei e deixei de gostar. Fiquei com saudades da leveza e da falta de compromisso que só a juventude pode te proporcionar.
Na melancolia de um final de domingo chuvoso e frio, foi pra dentro dessa história que eu escapei. Com a certeza de que vou voltar.
Eu sempre achei que além do final de semana, toda quarta-feira também devia ser dia de folga. Um respiro no meio da semana não faria mal a ninguém.
E posso dizer com propriedade que dá certo e faz bem!
Um procedimento e um atestado ajudaram na realização do sonho. Sendo autônoma, empurrei o tempo para um lado e para o outro, e finalmente consegui ser cobaia de mim mesma. A quarta estava garantida!
De manhã, pude sentar tranquilamente na mesa de uma padaria para tomar um bom café acompanhado de cookies.
O almoço foi um peixe na Lagoa da Conceição. Confesso que até beberiquei uma cerveja.
As cadeiras de praia no porta-malas do carro serviram de sala de estar à beira da água para a siesta pós-comilança. De causar inveja a todo trabalhador celetista.
E, juro, ainda consegui trabalhar um pouco à tarde. Sem pressão, divertidamente, escutando boa música. O infarto foi prorrogado alguns anos. Certeza!
À noite, teve tempo para um filme e para o ócio.
Me sentia mais leve e tranquila para começar uma quinta e saber que faltava só mais um dia para o final de semana.
Já tive bicho scoby para fazer kombucha, já tive bicho kefir para o iogurte.
Mas o meu preferido era o levain que rendia bons pães.
Ganhei de um amigo que, além de me trazer de longe, ensinou todo o processo de um pão bem feito. Todo conhecimento, além do próprio levain, veio da Neide Rigo. Era levain chique, criado por gente sábia na cozinha.
Então, eu era a pessoa diferentona que já fazia pão de fermentação natural antes do advento da pandemia. (Assim como yoga, mas já é assunto pra outro post).
Eis que me tornei a nada diferentona que se cansou nesses últimos dois anos. Cansei de fazer meu pão e passei a comprar nos pequenos produtores de pão de fermentação natural. (Não cansei nada da yoga, diga-se de passagem).
O coitado do meu levain passou meses enclausurado na geladeira. A verdade é que ele entrou em estado de torpor, foi praticamente uma hibernação compulsória. Foi perdendo o viço, se tornando cinza, até que tomei vergonha na cara e decretei seu fim. Meu cansaço o tinha levado à morte.
Com isso, tive que decretar também a minha derrota e aguentar o livro amarelo de pães do Américo Camargo me olhando feio na estante.
Diante de tal tristeza, venho aqui pedir um pedacinho de um levain, para poder cuidar novamente com afinco e produzir meus tão cheirosos pães. É possível? 🙂